sábado, 29 de abril de 2017

Robossexualidade: devemos apoiar o sexo com robôs?

Por Thiago Kistenmacher


Quem assistiu o episódio Be Right Back [Volto Já] da série Black Mirror, ao filme Her (2014) ou a série Humans, compreende bem quão perturbadora pode ser a relação íntima de um ser humano com um robô. Pior ainda quando existe a possibilidade da relação sexual. A questão é que, embora as produções indicadas sejam fictícias, estão muito próximas da realidade. Discutindo o lado sombrio da humanidade que é fomentado pela tecnologia moderna, Rodrigo Constantino já tinha registrado: “Onde isso vai acabar? A distopia retratada em ‘Black Mirror’ dá uma ideia. E ela é assustadora!” Sim, ela é realmente assustadora e, como referido acima, o relacionamento íntimo com um robô, tal qual apresentado no primeiro episódio da segunda temporada da série, está cada vez mais próximo da realidade.

Fica a pergunta: devemos apoiar o sexo com robôs, ou seja, a robossexualidade?


Encontrei por acaso uma matéria da Folha de São Paulo cujo título é Robôs que fazem sexo ficammais reais e até já respondem a carícias. Em entrevista para o jornal, Douglas Hines, o fundador da companhia True Companion, disse que "Robôs nunca estão aborrecidos e nunca trairão ou trarão doenças aos parceiros. O que nossos clientes querem é amor incondicional". Discordo, uma vez que o amor incondicional só é incondicional quando existem conflitos, e por isso incondicional, isto é, a despeito daquilo que poderia comprometer esse amor. G. K. Chesterton sintetizou a questão muito bem quando escreveu: “Amar significa amar o que é difícil de ser amado, de contrário não seria virtude alguma”. Ele está certo. Obrigar alguém a nos amar é reconhecer de imediato a nossa incapacidade de ser amado. 

Se considerarmos a tradição judaico-cristã, poderíamos pensar que Deus, com a sua onipotência, poderia ter “programado” o ser humano para que ele sempre o amasse sobre todas as coisas, mas não. Desde Gênesis que o livre arbítrio teria sido concedido para que a humanidade pudesse escolher entre amar ou não a Deus. Em suma, o amor não tem valor algum quando se pode amar.



Outra empresa, a Real Doll, em nota, declarou: "Tivemos consumidores que se casaram com suas bonecas, afirmando que elas salvaram suas vidas após a morte de um parceiro ou o fim do relacionamento". Assista ao já mencionado “Be Right Back”, episódio de Black Mirror, e sinta a angústia que isso causa. Tal processo é ou não perfeito para a constituição de indivíduos absolutamente mimados que negam a realidade e a complexidade da existência humana? Os argumentos que os propagandistas da prática utilizam como positivos são exatamente os mais perniciosos. Ter parceiros sexuais que não se aborrecem, não traem e não trazem o risco de doenças é negar a humanidade, é idealizá-la. E negar a humanidade tal como ela é não passa de covardia, da fuga que empreendem aqueles que não suportam a vida real. 

Vi também por acaso uma matéria atual publicada no The Telegraph e intitulada Sex will be just for special occasions in the futureas robots will satisfy everyday needs [No futuro o sexo será somente para ocasiões especiais enquanto os robôs irão satisfazer as necessidades diárias]. De acordo com o Dr. Trudy Barber, um dos entrevistados, “as máquinas permitiriam que as pessoas apreciassem melhor a ‘coisa real’”, quer dizer, o sexo natural. Mesmo que eu seja leigo no assunto, discordo novamente. Acredito que a “coisa real” talvez perca a graça pelo fato de que, como a mesma matéria informa, o robô talvez transcender a mera passividade. Vejamos. O robô deve ser passivo ou deve ter a capacidade de seduzir os seres humanos? Os robôs deveriam deixar claro que são máquinas e não seres humanos? São discussões que o jornal apresenta e que versam sobre o impacto que tal tecnologia pode ter sobre o psicológico daqueles que tiverem amantes programados. 

Charles Darwin apontou a capacidade das espécies de se adaptarem aos mais diferentes ambientes. Conforme o pesquisador britânico Ian Person, as "Pessoas certamente irão se apaixonar pelas máquinas e pela inteligência artificial – que pode, inclusive, retribuir". Como seria lidar com esta “paixão”, este “amor”? Catastrófico, suponho. O que diria Darwin desse salto “evolutivo”? Por essa razão, é possível que, num futuro próximo, a sexualidade humana responda somente aos estímulos artificiais. À vista disso, nós é que seremos os robôs cuja sexualidade com parceiros reais estaria comprometida. Reverter o quadro seria sofrido, senão impossível. Viveríamos quase como no Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, no qual as crianças todas são produzidas em laboratório e onde os desejos humanos são sempre subitamente saciados. 

Dr. Barber também diz: “Eu acredito que o que irá acontecer é que eles [os robôs] irão tornar os relacionamentos de tempo real mais valiosos e excitantes.” Será que ele apostaria mesmo nisso? Mimados e com os desejos sexuais sendo satisfeitos após pressionarmos alguns botões, perderíamos a capacidade de tolerar a inconstância dos parceiros, seu eventual mau-humor, sua falta de desejo momentânea, a famosa “dor de cabeça” da mulher chateada. Os robôs saberão dizer “hoje não estou a fim”? Será possível simular os odores particularmente humanos? A textura da pele poderá ser copiada? Kate Devlin, da University of London, diz ser provável que os robôs sejam projetados de modo que aprendam “as preferências sexuais de seu parceiro humano para melhorar o desempenho.” Isso significa, por exemplo, que o sujeito poderá fazer com o robô aquilo que seu parceiro sexual se nega a fazer. Como essa coisa poderá melhorar a relação sexual entre seres humanos? Será que esta capacidade de os robôs aprenderem os desejos dos humanos conseguiria detectar a vontade de um homem de ter um filho e, dessa forma, incharem suas barrigas simulando uma gravidez? Tudo isso é muito grotesco!



Por que fazer sexo com uma mulher que quer conversar depois ato quando pudermos simplesmente desligá-la? Seria a tecnologia atuando em favor do mais forte instinto que a razão e a civilização conseguiram educar, ainda que minimamente. Sendo assim, parece não haver dúvidas de que uma tecnologia desta espécie tende mais a animalizar do que a civilizar os indivíduos. Como aponta C.S. Lewis no livro A Abolição do Homem, se nós vivêssemos por puro instinto não seríamos humanos, os únicos capazes de educarem a si próprios pela razão. Dito de outra forma, viver para a satisfação do instinto em detrimento daquilo que nos difere das demais espécies é exatamente “abolir o homem” e transformá-lo num animal.

Ademais, o mesmo Dr. Barber asseverou: “Agora somos capazes de ter muitas cores em nossa plataforma sexual; eu penso que seríamos tontos se não as explorássemos”. Neste momento meu lado conservador acusa um perigo, visto que nem toda novidade é benéfica. Por isso é inevitável não lembrar aquilo que escreveu Michael Oakeshott sobre tais objetos. Diz ele: "Ser conservador, portanto, é preferir o familiar ao desconhecido, preferir o experimentado ao não experimentado, o fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao demasiado abundante, o conveniente ao perfeito, um presente sorridente a uma felicidade utópica." Entre o Dr. Barber e Oakeshott, fico com o segundo.

Outro especialista no assunto, Professor Sharkey, fazendo propaganda da prática sexual com robôs, declarou que: “A prostituição existe há milhares de anos e ainda não foi socialmente normalizada”. Independentemente disso, a prostituição é humana, e comparar uma prostituta a um robô não tem lógica. Salvo crimes como a pedofilia e o sexo com menores de idade, a prostituição é uma questão de escolha individual, enquanto que o robô é programado. Além do mais, um homem não contrata os serviços sexuais de um robô, mas de uma mulher de carne e osso. Sim, a prostituta pode fingir ter prazer, bem como o robô, como alega o Professor Sherkey, mas tanto o cliente quanto a prostituta podem se apaixonar, se arrepender, beber, conversar, rir juntos, seja lá o que for. Resumindo, os robossexuais ganhariam mais levando uma mulher para jantar e beber, além de gastarem menos pagando somente o motel em vez de sete mil libras, preço das máquinas sexuais.

Sharkey também pergunta: “Você deixaria seu robô de fora se sua mãe viesse visitá-lo?” Primeiramente: ter um robô para fazer sexo é atestar a sua própria incapacidade. Segundo: além das festas, com tantos aplicativos e redes sociais, só alguém confessadamente incapaz precisa de uma companhia tão artificial quanto um robô para satisfazer-se sexualmente. Um robossexual sempre será um solitário.

Os problemas são vários. Há especialistas em inteligência artificial alertando que jovens poderão perder a virgindade com os robôs e crescerem com uma “concepção irrealista” do que é o sexo. É bem por aí. Se a pornografia pode ter efeitos negativos pelo excesso de dopamina liberada no cérebro, qual a implicação que a companhia sexual de um robô pode ter num jovem ainda em formação sexual e psicológica? Sou contrário à proibição da pornografia, como já escrevi aqui, todavia, sabemos que o uso excessivo desse material também pode ter consequências danosas. Ainda assim, a pornografia é feita com humanos, não com robôs.

Eis aqui algumas perguntas para que o leitor reflita e até responda nos comentários abaixo: será que os amantes dos robôs não terão ciúmes do autômato? Será que emprestariam seu “companheiro(a)” para um amigo? Por que correr o risco de ser contaminado por alguma doença venérea se temos um robô, que pode somente nos contaminar psicologicamente? Quem garante que, passionais como somos, uma namorada não ficaria com ciúme se um robô feminino ocupasse o lugar dela na cama do namorado? Será que um marido não ficaria enraivecido se chegasse em casa e visse sua esposa nua, no sofá, e sobre um robô? Aliás, se o marido “não funcionar”, basta que a esposa abandone-o no quarto e ligue o amante parado no canto da sala. Como o marido lidaria com essa sensação de impotência? Talvez quebrasse a cara do amante robô com um murro? Esse tipo de tecnologia tende a causar relações de dependência cruéis, tais como aquelas apresentadas no já citado filme Her. 


Um exemplo desse tipo de dependência pode ser visto neste link:

Não se trata de uma relação sexual, mas o rapaz simula uma vida de casado com uma namorada ou esposa virtual. É deprimente, angustiante!

Finalmente, pergunto de novo: devemos apoiar o sexo com robôs? Respondo: acredito que não, porque os produtos dessas novas tecnologias nem sempre são saudáveis, especialmente o sexo com robôs, que tem tudo para ser uma prática bastante prejudicial. No entanto, vale ressaltar, não creio que o Estado deva intervir na vida das empresas que querem produzir os robôs nem na liberdade das pessoas que compram amantes programados para satisfazer suas “necessidades diárias”, como apontou o The Telegraph. Devemos nos responsabilizar por aquilo que fizemos sem apelar para a tutela do Estado. 

Mas por que trago a questão do Estado no presente texto? Porque ainda de acordo com o jornal inglês, o cientista “Dr. Noel Sharkey, ex-assessor da ONU, pediu aos governos para evitar que a robótica seja seqüestrada pela indústria do sexo.” Melhor deixar o Estado fora disso. Já escrevi por aqui que o Estado como sexólogo é tão eficaz como o Estado empresário, isto é, uma desgraça. Se já está ruim sem ele, pior com ele, que seria bem capaz de criar programas para a distribuição “gratuita” de robôs para pessoas solitárias e receitá-los em postos de saúde do SUS. 

Vou parar por aqui, pois já me alonguei mais do que o habitual. Emiti minha opinião: não sou a favor, mas não acho que o Estado deva intervir na produção deste tipo de material. 


E você, leitor, o que pensa sobre a prática de sexo com robôs? 

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